DESJUDICIALIZAĆĆO: NOVAS PERSPECTIVAS EXTRAJUDICIAIS
- JosƩ Luis Ferreira dos Santos
- 24 de mar.
- 27 min de leitura
DEJUDICIALIZATION: NEW EXTRAJUDICIAL PERSPECTIVES
Ā
JosƩ Luis Ferreira dos Santos
Ā
RESUMO:Ā A prestação jurisdicional demorada, tardia, pode equivaler Ć inexistĆŖncia de prestação jurisdicional, e um dos motivos Ć© a imensidĆ£o de aƧƵes judiciais que sĆ£o ajuizadas diariamente. Muitas desses processos sĆ£o frutos meramente da formalização da vontade das partes ou da lei, homologados pelo juiz. Dada a flagrante insuficiĆŖncia de pessoal, seja de serventuĆ”rios, seja de magistrados, almejam-se meios alternativos, jurisdicionais ou nĆ£o jurisdicionais, que resolvam essas questƵes sem a necessidade de manifestação do magistrado, e consequentemente, sem a movimentação do aparato estatal. DaĆ que surge como uma dessas alternativas a delegação de certas atividades jurisdicionais a outros agentes, como uma forma de ādesjudicializarā questƵes meramente administrativas, trazendo para a iniciativa privada a demanda social, sem que se perca a qualidade da prestação e o controle judicial, ainda que indireto. Nas Ćŗltimas dĆ©cadas, muitos direitos que antes eram apenas postulados na esfera judicial passaram a ser requeridos e exercidos na esfera extrajudicial, grande parte deles por tabeliĆ£es e registradores que, nos termos do art. 3° da lei 8935/94, sĆ£o profissionais do direito, dotados de fĆ© pĆŗblica, a quem Ć© delegado o exercĆcio da atividade notarial e de registro. O serviƧo extrajudicial Ć© fiscalizado pelo poder judiciĆ”rio e tem por objetivo garantir a publicidade, autenticidade, seguranƧa e eficĆ”cia dos atos jurĆdicos. Diante de tal cenĆ”rio, podemos compreender que o fenĆ“meno da desjudicialização se faz necessĆ”rio, trazendo grandes benefĆcios para sociedade como um todo, proporcionando celeridade e efetividade a concretização de direitos fundamentais Ć sociedade brasileira. Seguindo essa tendĆŖncia, propƵe-se identificar as novas perspectivas para novas desjudicializaƧƵes, aquelas recentemente implantadas e outras que ainda dependem de anĆ”lise e proposição legislativa.
Ā
PALAVRAS-CHAVE: desjudicialização; serventias extrajudiciais; anÔlise econÓmica do direito; novas perspectivas.
Ā
ABSTRACT: Delayed, late judicial provision may be equivalent to the lack of judicial provision, and one of the reasons is the immensity of lawsuits that are filed daily. Many of these processes are merely the result of the formalization of the will of the parties or the law, approved by the judge. Given the flagrant shortage of personnel, whether public servants or magistrates, alternative means, judicial or non-jurisdictional, are sought to resolve these issues without the need for the magistrate to manifest, and consequently, without the movement of the state apparatus. Hence, the delegation of certain jurisdictional activities to other agents emerges as one of these alternatives, as a way of ādejudicializingā purely administrative issues, bringing social demand to the private sector, without losing the quality of provision and judicial control, albeit indirect. In recent decades, many rights that were previously only postulated in the judicial sphere began to be required and exercised in the extrajudicial sphere, most of them by notaries and registrars who, under the terms of art. 3 of Law 8935/94, are legal professionals, endowed with public faith, who are delegated the exercise of notary and registration activities. The extrajudicial service is supervised by the judiciary and aims to ensure the publicity, authenticity, security and effectiveness of legal acts. Faced with such a scenario, we can understand that the phenomenon of dejudicialization is necessary, bringing great benefits to society as a whole, providing speed and effectiveness to the realization of fundamental rights to Brazilian society. Following this trend, it is proposed to identify new perspectives for new dejudicializations, those recently implemented and others that still depend on analysis and legislative proposal.
Ā
KEYWORDS: dejudicialization; extrajudicial services; economic analysis of law; new perspectives.
Ā
1.Ā Ā Ā Ā INTRODUĆĆO
Ā
A atividade jurisdicional tem enfrentado vÔrios desafios nos últimos anos. O mais preocupante deles, é como superar a morosidade na entrega da prestação jurisdicional sem deixar de lado a qualidade nos procedimentos e nas decisões.
Muitas atividades, principalmente aquelas de cunho eminentemente ou predominantemente administrativos, de jurisdição voluntĆ”ria, sĆ£o vistas como passĆveis de delegação a outros profissionais, órgĆ£os ou entidades.
Fatores como falta de mão de obra, falta de equipamentos, falta de administração ativa, e perda de tempo com atividades outras, ou delegÔveis, fazem com que o JudiciÔrio brasileiro não consiga efetuar o seu mister de forma célere e eficiente.
A delegação de atribuiƧƵes do JudiciĆ”rio, que nĆ£o envolvam litigio, a outros profissionais do Direito, tem demonstrado ser um caminho eficaz, no intuito de permanecer no Poder JudiciĆ”rio apenas pretensƵes que exijam resoluƧƵes de litĆgios.
A demora na entrega da prestação jurisdicional, em determinados casos, resultado da ineficiência estatal, gera, por conseguinte, o próprio descrédito na justiça brasileira, identificando-se como uma verdadeira mazela aos jurisdicionados.
Por vezes, a morosidade em se obter o pronunciamento judicial acarreta o perecimento do direito, tornando inservĆvel a própria pretensĆ£o. Essa crise no JudiciĆ”rio Ć© decorrente da precĆ”ria estrutura fĆsica e material do Poder JudiciĆ”rio, adicionando-se a isso o surgimento de uma nova realidade social com novas demandas, frutos dos tempos modernos e com novas questƵes que demandam soluƧƵes cada vez mais cĆ©leres e qualificadas.
Como fruto dessa combinação inadequada de ānecessidadeā dos jurisdicionados e āofertaā precĆ”ria do Poder JudiciĆ”rio, cresce substancialmente a insatisfação social, uma vez que a prestação jurisdicional se mostra em dissonĆ¢ncia com as expectativas sociais, causando frustração com a JustiƧa (SANTOS, 2021, p. 13).
A excessiva morosidade nos processos judiciais e a baixĆssima eficĆ”cia de determinadas decisƵes retardam o desenvolvimento nacional, desestimulando investimentos e propiciando a inadimplĆŖncia.
Em que pese a demora na solução do litĆgio apresentar seus elementos nocivos, nĆ£o se pode buscar uma celeridade a qualquer custo, sob pena de comprometimento do devido processo legal e, por conseguinte, da prestação jurisdicional adequada, justa e eficaz.
Nesse contexto, outros personagens aparecem como fortes aliados ao poder judiciÔrio em busca da celeridade e eficiência estatal, principalmente naquelas hipóteses em que não hÔ necessariamente um caso a ser julgado, mas apenas a formalização e a publicização de atos através do aparato estatal.
O serviƧo extrajudicial, por exemplo, estĆ” entre as instituiƧƵes mais acessĆveis aos brasileiros, tanto pela tradição delas na sociedade, como pelo fato de que estĆ£o instalados nos lugares mais longĆnquos do paĆs, funcionando, sobretudo no interior, como lugar de consulta e aconselhamentos jurĆdicos para a população.
Para tratar da Poder JudiciĆ”rio brasileiro, suas problemĆ”ticas, novas perspectivas de alternativas Ć prestação jurisdicional, dentre outros, serĆ£o utilizadas principalmente as obras de Humberto Dalla Bernadina de Pinho. Direito Processual Civil ContemporĆ¢neo;Ā Luiz Guilherme Loureiro. Registros PĆŗblicos: Teoria e PrĆ”tica; e de minha autoria: JosĆ© Luis Ferreira dos Santos. Atividade CartorĆ”ria Extrajudicial como Instrumento de Colaboração Ć JustiƧa CĆ©lere e Eficiente. Para tanto, utilizou-se de tĆ©cnica de pesquisa bibliogrĆ”fica, atravĆ©s de mĆ©todo analĆtico e dialĆ©tico. Em relação Ć AnĆ”lise EconĆ“mica do Direito, o livro organizado por Decio Zylbersztajn e Rachel Sztajn, Direito & Economia, assim como outras obras que eventualmente se tornarem necessĆ”rias para este artigo.
Ā
2.Ā Ā Ā Ā A ANALISE ECONĆMICA DO DIREITO E A DESJUDICIALIZAĆĆO DE PROCEDIMENTOS
Ā
Tanto no Direito como na Economia, pressupƵe-se que o JudiciƔrio estƔ sempre pronto e capacitado a resolver as disputas contratuais rƔpida, informada, imparcial e previsivelmente, atendo-se aos termos originais do contrato e ao texto da lei.
Essa simplificação gera uma interpretação viesada da realidade, que subestima a importĆ¢ncia dos mecanismos utilizados pelos agentes econĆ“micos para ācontratar fora das estruturas pĆŗblicas, considerando o ordenamento privadoā.
Segundo nos ensina o doutor CĆcero Krupp da Luz, professor do programa de pós graduação da Faculdade de Direito do Sul de Minas, āĆ© fruto da hipercomplexidade, em que Ć© necessĆ”rio que o direito, como um sistema, seja autĆ“nomo e, ao mesmo tempo, se comunique, estabeleƧa conexƵes com outros sistemas, como no caso da polĆtica e da economiaā (LUZ, 2009, p. 84).
PorĆ©m, o hiato entre o desempenho teórico do JudiciĆ”rio e aquele observado na prĆ”tica Ć© uma das razƵes por que a atividade econĆ“mica, por vezes, se organiza de formas nĆ£o canĆ“nicas, buscando reduzir custos de transação e preservar relaƧƵes que envolvam investimentos especĆficos.
Armando Castelar Pinheiro destaca no livro Direito & Economia, de coordenação de Décio Zylbersztajn e Rachel Sztajn, como resultado de pesquisa realizada pela Revista Vox Populi em abril de 1999, que magistrados e empresÔrios apontam a falta de agilidade como o principal problema do JudiciÔrio brasileiro, vindo em seguida o elevado custo de acesso (despesas e custas), e a falta de previsibilidade (ZYLBERSZTAJN DECIO e SZTAJN RACHEL, 2005, p. 246-276).
Foram analisadas duas causas para a morosidade da Justiça. A primeira diz respeito ao grande número de casos levados aos tribunais por pessoas, empresas e grupos de interesse, não para lutar por um direito, mas para explorar a lentidão do JudiciÔrio, adiar o cumprimento de uma obrigação.
De acordo com os magistrados, esse tipo de comportamento tambĆ©m Ć© muito comum por parte do setor pĆŗblico. O segundo tipo de causa da morosidade inclui os fatores mais diretamente relacionados Ć operação do JudiciĆ”rio, como a carĆŖncia de recursos, a legislação e a forma de atuação dos juĆzes e de outros operadores do Direito.
Em relação Ć insuficiĆŖncia de recursos, os magistrados apontam a falta de juĆzes como o problema mais importante, vindo em seguida a falta de informatização e, em terceiro lugar, a precariedade das instalaƧƵes.
A falta de uma administração ativa de casos também é vista como o problema mais relevante, mas ainda assim de importância secundÔria quando comparada à falta de recursos ou as falhas na legislação processual.
A importĆ¢ncia em certo sentido secundĆ”ria desse problema Ć© consistente com os 59,1% dos magistrados pesquisados por Sadek que consideraram ser o fato de os ājuĆzes estarem sobrecarregados com tarefas que poderiam ser delegadasā.
A importĆ¢ncia secundĆ”ria atribuĆda Ć ineficiĆŖncia administrativa contrasta com estudos do Banco Mundial que apontaram que os juĆzes brasileiros despendiam 65% de seu tempo em atividades nĆ£o judicantes. Segundo os próprios magistrados, porĆ©m, trĆŖs quartos deles nĆ£o gastam mais do que 30% do seu tempo em atividades administrativas, com somente 5,1% dos entrevistados ocupando mais do que 50% do seu tempo com essas atividades.
Dos motivos que levam os juĆzes a despender uma significativa parcela de seu tempo em trabalhos administrativos, o arcaĆsmo das prĆ”ticas administrativas Ć© apontado como o mais importante, vindo em seguida a falta de preparo dos funcionĆ”rios e de treinamento dos juĆzes nesse tipo de atividade.
Assim, a delegação de atividades judiciais tĆpicas de jurisdição voluntĆ”ria, em que nĆ£o hĆ” litĆgios, e/ou meramente administrativas, a outros agentes vem se mostrando medida eficaz na desburocratização do acesso a direitos fundamentais de seus titulares.
Neste ponto, em que pese grandes doutrinadores do direito processual brasileiro e internacional, como Owen Fiss, āSterling Professorā da Yale University, e de Vittorio Denti, que manifestam preocupação com o fenĆ“meno da justiƧa coexistencial e a possĆvel privatização dos conflitos, jĆ” que poderiam levar a exclusĆ£o das garantias processuais bĆ”sicas, a realidade da desjudicialização tem demonstrado o contrĆ”rio (FISS, DENTI apud PINHO, 2012, p. 758).
Barbosa Moreira, a estudar a questão no ordenamento brasileiro e concluir, após examinar as posições divergentes, no sentido de ser positiva a contribuição dos mecanismos alternativos à resolução dos conflitos (MOREIRA, 2001, p. 7-18).
Seguindo o entendimento deste doutrinador não resta dúvida de que a jurisdição, hoje, não atende de forma efetiva à demanda social de pacificação e resolução das controvérsias, além de não ter sido capaz de acompanhar o frenético e acelerado ritmo das transformações culturais e sociais que vivenciamos desde o fim do milênio passado.
O que se deve compreender ā e esse Ć© o ponto nodal da questĆ£o ā Ć© que a desestatização de procedimentos nĆ£o veio tomar o lugar da jurisdição, muito pelo contrĆ”rio, a desjudicialização vĆŖm demonstrar, exatamente, que deve haver uma forma de solução para cada tipo de natureza de demanda que se apresenta.
Em dadas situações nenhum instrumento é mais efetivo que a jurisdição; hÔ outras em que, por melhor que seja o juiz e por mais adequado que seja o procedimento, a jurisdição simplesmente não se revela apropriada. O segredo, portanto, estÔ em compreender a desjudicialização como uma soma à atividade jurisdicional, e não como uma simples subtração desta.
Conforme ensina Daniel Assumpção Amorim, o Estado não tem, por meio da jurisdição, o monopólio da solução dos conflitos, sendo admitidas pelo Direito outras maneiras pelas quais as partes possam buscar uma solução do conflito em que estão envolvidas (NEVES, 2011, p. 5).
Segundo o autor, nĆ£o Ć© concebĆvel que o Estado seja o Ćŗnico a promover a solução de conflitos, pelo contrĆ”rio, o Estado seria o Ćŗltimo ou, numa visĆ£o mais garantista-jurisdicional, um dos caminhos para se chegar Ć pacificação.
Para Cândido Rangel Dinamarco, a sólida herança cultural transmitida pela obra dos cientistas do direito, mais a prÔtica diuturna dos problemas da justiça institucionalizada e exercida pelo Estado com exclusividade mediante julgamentos e constrições sobre pessoas e bens, são responsÔveis pelo grande zelo voltado à jurisdição como objeto de hermético monopólio estatal (DINAMARCO, 2001, p. 121).
A exagerada valorização da tutela jurisdicional estatal, a ponto de afastar ou menosprezar o valor de outros meios de pacificar, constitui um desvio de perspectiva a ser evitado.
Para o notĆ”rio francĆŖs Jacques BĆ©hin[1], hĆ” uma tendĆŖncia crescente na Comunidade EuropĆ©ia em legislar sobre vias alternativas extrajudiciais de resolução de conflitos, com atenção especial voltada para os litĆgios familiares, sob a perspectiva de "desjudicialização" da sociedade. E este tĆtulo vem coincidir com a missĆ£o tradicional do notĆ”rio em matĆ©ria de mediação e de prevenção de conflitos.
Para a desembargadora MĆ“nica Sifuentes[2], um exemplo de desjudicialização no direito comparado seria o ordenamento jurĆdico portuguĆŖs, que tem adotado caminho diferente do nosso na matĆ©ria relativa a menores ou relaƧƵes familiares, tais como atribuição de alimentos a filhos maiores, a autorização para utilização ou proibição do uso do sobrenome do cĆ“njuge divorciado, a conversĆ£o da separação em divórcio, quando nĆ£o houver litĆgio, a reconciliação de cĆ“njuges separados, entre outras, foram transferidas para o MinistĆ©rio PĆŗblico ou o próprio Cartório de Registro Civil (Decretos-Leis n. 272 e 273 de 13 de outubro de 2001).
Assim, caminha o ordenamento portuguĆŖs a atribuir a seu Poder JudiciĆ”rio exclusivamente a solução de lides que nĆ£o possam se dar pela autocomposição dos interesses em litĆgio. A heterocomposição, origem da jurisdição, deve ser a exceção nos casos da denominada jurisdição voluntĆ”ria.
No Brasil, o ordenamento jurĆdico estĆ” aderindo, nĆ£o apenas ao tabelionato de notas, mas tambĆ©m a todas as especialidades de serventias extrajudiciais, cada qual com seu feixe de atribuiƧƵes, estĆ£o galgando distinta posição.
Seguindo o mesmo rumo dos meios alternativos de resolução de conflitos, existem hoje vÔrios outros mecanismos que servem como colaboradores à justiça, vÔrios institutos jÔ hoje foram desjudicializados, e essa é a tendência moderna.
Pode-se citar, a tĆtulo de exemplo, a Lei 11.441/07[3], que atribuiu aos cartórios de notas a lavratura de escritura de inventĆ”rio, partilha, separação e divórcio. Segundo o estudo JustiƧa em NĆŗmeros, conduzido em 2020, pelo Conselho Nacional de JustiƧa, cada processo que entra no JudiciĆ”rio custa em mĆ©dia R$ 2.369,73 para o contribuinte. Isso significa dizer, que multiplicado por 4,5 milhƵes, o erĆ”rio brasileiro economizou cerca de 10,6 bilhƵes de reais com a delegação deste serviƧo aos Cartórios de Notas[4].
O Oficial de registro civil e TabeliĆ£o Moacyr Petrocelli[5] destaca os procedimentos que jĆ” foram repassados aos notĆ”rios e registradores, desobstruindo as veias do Poder JudiciĆ”rio. Pode-se citar en passant:Ā (i) no registro civil das pessoas naturais, o reconhecimento de filiação pode ser feito atualmente diretamente em cartório, sendo dispensada a manifestação do MinistĆ©rio PĆŗblico e autorização do juiz (Provimento 16 do CNJ); (ii) ainda em sede de registro civil, conforme alteração doĀ artigo 110 da Lei nĀŗ 6.015/1973, promovida pela Lei nĀŗ 12.100/2009, houve a trasladação para a via administrativa das retificaƧƵes de registros referentes a erros mais simples, que nĆ£o exijam qualquer indagação para a constatação imediata da necessidade de sua correção ā casos que antes necessariamente eram julgadas pelo Poder JudiciĆ”rio, podem, hoje, administrativamente ser encaminhadas apenas ao MinistĆ©rio PĆŗblico para parecer conclusivo; (iii)Ā no tabelionato de protesto, a nova previsĆ£o legal, veiculada pela Lei nĀŗ 12.767/2012, da possibilidade de se levar a protesto certidĆ£o de dĆvida ativa da UniĆ£o, dos Estados, do Distrito Federal, dos MunicĆpios e das respectivas autarquias e fundaƧƵes pĆŗblicas ā antes era considerada exclusividade do Poder JudiciĆ”rio empreender esforƧos para satisfação dos crĆ©ditos tributĆ”rios; (iv)Ā especialmente no Estado de SĆ£o Paulo, pelo Provimento CG nĀŗ 31/2013, foi conferida a possibilidade de expedição de cartas de sentenƧas pelas serventias do registro civil e do tabelionato de notas; entre outras medidas elogiĆ”veis.
Para o referido profissional ainda hĆ” uma sĆ©rie de projetos e boas intenƧƵes de transformar vĆ”rias matĆ©rias que hoje ainda sĆ£o de competĆŖncia exclusiva do Poder JudiciĆ”rio, em faculdade de acesso pelo interessado Ć s vias notariais e registrais, o que certamente representarĆ” um grande avanƧo para a justiƧa brasileira tendo em vista Ć indescritĆvel agilidade que serĆ” conferida aos atos e procedimentos. A verdade Ć© que o Brasil, enfim, caminha a passos largos para a necessĆ”ria ādesjudicializaçãoā.
A ideia da desjudicialização parte da crenƧa de que o JudiciĆ”rio e seus serviƧos devam ser reservados para assuntos jurĆdica e socialmente complexos e relevantes. Pretende-se, dessa forma, alargar os caminhos do acesso ao Direito e Ć JustiƧa, colocando Ć disponibilidade dos cidadĆ£os meios mais acessĆveis para resolução de seus litĆgios.
A ineficiĆŖncia estatal, gera, por conseguinte, o próprio descrĆ©dito na justiƧa brasileira, identificando-se como uma verdadeira mazela aos jurisdicionados. A morosidade em se obter o pronunciamento judicial acarreta o perecimento do direito, tornando inservĆvel a própria pretensĆ£o. DaĆ a necessidade de desjudicializar procedimentos. A morosidade, a lentidĆ£o e a falta de aparelhamento estatal estĆ£o entre os principais motivos que reforƧam esta necessidade.
Essa crise no JudiciĆ”rio Ć© decorrente da precĆ”ria estrutura fĆsica e material do Poder JudiciĆ”rio, adicionando-se a isso o surgimento de uma nova realidade social com novas demandas, frutos dos tempos modernos e com novas questƵes que demandam soluƧƵes cada vez mais cĆ©leres e qualificadas. Como resultado dessa combinação inadequada de ānecessidadeā dos jurisdicionados e āofertaā precĆ”ria do Poder JudiciĆ”rio, a insatisfação social cresce substancialmente, jĆ” que a prestação jurisdicional se mostra em dissonĆ¢ncia com as expectativas sociais.
Neste contexto, o serviƧo extrajudicial surge como colaborador para este processo de desburocratização e desjudicialização de procedimentos. De fato, as serventias extrajudiciais estĆ£o entre as instituiƧƵes mais acessĆveis aos brasileiros, tanto pela tradição delas em nossa sociedade, como pelo fato de que estĆ£o instalados nos lugares mais longĆnquos do paĆs, funcionando, sobretudo no interior, como lugar de consulta e aconselhamentos jurĆdicos para a população.
Ā
3.Ā Ā Ā Ā NOVAS PERSPECTIVAS DESJUDICIALIZADORAS
Ā
Como jĆ” afirmado, o serviƧo extrajudicial Ć© um forte aliado do poder judiciĆ”rio em busca da justiƧa efetiva e da prestação jurisdicional eficiente Ć sociedade. PĆ“de-se observar nos capĆtulos anteriores a necessidade e o avanƧo de novas medidas desjudicializadoras. Os resultados da aplicação de instrumentos de colaboração deixam claro que o caminho estĆ” aberto para uma gama cada vez maior de possibilidades que efetivamente trarĆ£o benefĆcios tanto para esses profissionais, como para o poder judiciĆ”rio e a sociedade como um todo[6].
Como se vê, a parceria entre o JudiciÔrio e os cartórios se mostra apta para a solução do descompasso que estÔ mergulhado o JudiciÔrio brasileiro. Primeiro, porque ajuda a diminuir a demanda no JudiciÔrio, jÔ que incontÔveis processos estão deixando de nele ingressar.
Segundo, porque aproveita estrutura e pessoal jĆ” consolidados em um sistema, evitando se, assim, gastos elevadĆssimos para o orƧamento pĆŗblico, ao reconhecer o papel das serventias extrajudiciais como parceiras do JudiciĆ”rio e da população, o Brasil estĆ” economizando recursos pĆŗblicos e utilizando o potencial da formação jurĆdica desses profissionais.
Terceiro porque reserva a atuação de juĆzes e servidores Ć s aƧƵes mais complexas e litigiosas. NĆ£o Ć© de agora que o judiciĆ”rio tem contado com o serviƧo extrajudicial para realizar o seu mister. Seja no Ć¢mbito probatório, seja na seara da seguranƧa jurĆdica, seja na praticidade, o judiciĆ”rio tem cada vez mais se utilizado dos serviƧos prestados pelos cartórios de notas e de registros.
Ā
3.1.DA ADJUDICAĆĆO COMPULSĆRIA EXTRAJUDICIAL
Ā
Como dito, hÔ uma latente necessidade de que vÔrios procedimentos hoje judicializados sejam desburocratizados em vias outras, como a extrajudicial, principalmente naqueles procedimentos que não exigem intervenção estatal direta, mas sim um olhar acurado de um profissional do direito isento e imparcial.
Dentre os procedimentos judiciais recentemente desjudicializados temos a Adjudicação Compulsória, prevista no art. 1.418 do Código Civil Brasileiro de 2002, cujo fundamento é o direito real de aquisição decorrente de uma promessa de compra e venda, sem clÔusula de arrependimento.
O art. 1417 do CC/2002 dispõe que mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
JĆ” o artigo 1418 trata da forma de obtenção, do exercĆcio do direito real de aquisição, que o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Veja que a previsão legal exige que um juiz venha determinar a adjudicação compulsória do bem. E assim o fazendo, faz com que a parte interessada seja obrigada a contratar um advogado, a peticionar num processo judicial e aguardar anos para obtenção de um direito tão óbvio. Ora, se numa promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, o promitente comprador realizou o pagamento como avençado, não hÔ porque se exigir deste compromissÔrio a provocação estatal, até porque não hÔ o que se discutir, não hÔ o que se contradizer.
Uma vez dada a quitação, seja por termo de quitação, seja pelo pagamento de todas as parcelas, não hÔ de se negar a outorga dominial ao titular do direito real.
Na prÔtica, os promitentes compradores acabam ajuizando ações judiciais morosas, que duram em média de 2 a 4 anos, cujos processos os promitentes vendedores, na maioria das vezes, não localizados, são citados por edital. Por fim, o juiz ao analisar o pagamento de todas as parcelas acaba concedendo a adjudicação do bem.
Procedimento semelhante jÔ é utilizado em promessas de compra e venda firmadas no âmbito de loteamentos regidos pela lei 6.766/79[7] (lei de parcelamento do solo urbano).
Os artigos 25 e 26 da citada lei dispƵe sobre a promessa de compra e venda de lotes urbanizados, cuja promessa de compra e venda foi firmado por um loteador.Ā
SĆ£o irretratĆ”veis os compromissos de compra e venda, cessƵes e promessas de cessĆ£o, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponĆvel a terceiros.Ā Os compromissos de compra e venda, as cessƵes ou promessas de cessĆ£o poderĆ£o ser feitos por escritura pĆŗblica ou por instrumento particular.
Até aqui tudo igual a tradicional adjudicação compulsória do Código Civil. Acontece que a lei 9.785/1999 incluiu no art. 26 da lei 6.766/79, em seu §6º, a possibilidade de se adjudicar o bem extrajudicialmente, ou seja, mediante prova da quitação perante o registrador imobiliÔrio. In verbis:
§ 6o Os compromissos de compra e venda, as cessƵes e as promessas de cessĆ£o valerĆ£o como tĆtulo para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação. Ā Ā Ā Ā Ā (IncluĆdo pela Lei nĀŗ 9.785, de 1999)
Ā
Veja que o citado artigo não exige que se proceda a uma ação judicial, mas apenas a comprovação da quitação do valor avençado.
O §6º do art. 26 da lei de loteamentos se mostrou como ótimo instrumento desjudicializador à época, o mesmo procedimento poderia ser utilizado nas promessas de compra e venda irrevogÔveis do Código Civil, tornando menos moroso e burocrÔtico o procedimento de adjudicação de bens em direitos reais de aquisição, facilitando o acesso a justiça e reduzindo o déficit judiciÔrio.
Porém, em 2022, o Congresso decidiu ampliar a possibilidade da adjudicação compulsória extrajudicial às demais hipóteses, tornando o procedimento muito mais simples, célere e eficaz.
Através da lei nº 14.382/2022 foi transferido ao registrador de imóveis a incumbência de verificar o pagamento dos valores através da apresentação por parte do promitente comprador do termo de quitação ou dos recibos das parcelas pagas. Uma vez comprovado o pagamento e, intimado o promitente vendedor, o registrador tornaria definitivo o registro dominial em nome do compromissÔrio, que a partir de então se tornaria legitimo proprietÔrio do bem. Em caso de oposição do promitente vendedor, o registrador mandaria o processo então extrajudicial para a via judicial.
A lei 14.382 altera a lei 6.015/73 para incluir o art. 216-B, dispondo que sem prejuĆzo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessĆ£o poderĆ” ser efetivada extrajudicialmente no serviƧo de registro de imóveis da situação do imóvel. Designa como legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionĆ”rios ou promitentes cessionĆ”rios, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado
O pedido deve ser instruĆdo com os seguintes documentos:Ā I - instrumento de promessa de compra e venda ou de cessĆ£o ou de sucessĆ£o, quando for o caso;Ā II - prova do inadimplemento, caracterizado pela nĆ£o celebração do tĆtulo de transmissĆ£o da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderĆ” delegar a diligĆŖncia ao oficial do registro de tĆtulos e documentos;Ā III - ata notarial lavrada por tabeliĆ£o de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preƧo e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o tĆtulo de propriedade;Ā IV - certidƵes dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicĆlio do requerente que demonstrem a inexistĆŖncia de litĆgio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação; V - comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a TransmissĆ£o de Bens Imóveis (ITBI);Ā e VI - procuração com poderes especĆficos.
Mediante a apresentação desses documentos, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederĆ” ao registro do domĆnio em nome do promitente comprador, servindo de tĆtulo a respectiva promessa de compra e venda ou de cessĆ£o ou o instrumento que comprove a sucessĆ£o.Ā Ā Ā
Com potencial de desjudicializar parte dos expedientes que se propƵem, esse novo instituto Ć© mais um mecanismo que visa efetivar direitos em prol da sociedade, haja vista consolidar a propriedade em nome de um compromissĆ”rio comprador, que por motivos alheios a sua vontade, nĆ£o consegue alcanƧar o compromitente vendedor para efetivar o negócio jurĆdico que lhe traria o direito real sobre a propriedade, conforme destaca o Vice Presidente do ColĆ©gio Notarial do Brasil ā Seção Minas Gerais Eduardo Calais Pereira[8].
Ā
3.2.DAS HIPOTESES DE MUTABILIDADE EXTRAJUDICIAL DO NOME
Ā
O Direito brasileiro, notadamente a legislação registral, sempre teve preocupação em se resguardar mecanismo de seguranƧa e identificação da pessoa natural, principalmente o nome, princĆpio da imutabilidade do nome.
Apenas em situaƧƵes excepcionais se permitia judicialmente a alteração do nome. Ā A exemplo disso temos o art. 109, da Lei nĀŗ 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros PĆŗblicos), que prevĆŖ a possibilidade de que o assento seja retificado, devendo o juiz ordenar a expedição de mandado especĆfico para isso, bem como o art. 56 da Lei 6015/73 que autorizava sua modificação em um prazo decadencial de 1 ano, após a pessoa atingir a maioridade.
PorĆ©m, a crescente demanda por alteração de prenomes e patronĆmicos impulsionou o Congresso a permitir hipóteses de alteração de nome diretamente pela via extrajudicial.
Enquanto direito da personalidade, o nome civil da pessoa natural deve ser analisado Ć luz do princĆpio da dignidade da pessoa humana, consagrado na Carta PolĆtica de 1988, o que importa na releitura do princĆpio da imutabilidade, permitindo-se sua mitigação. Atualmente, tal princĆpio, deve ser considerado como da mutabilidade motivada[9], pois diversos julgados do STJ tĆŖm feito a relativização da imutabilidade, e jĆ” Ć© um movimento quase que unĆ¢nime de mitigação desse princĆpio, baseado numa anĆ”lise principiológica do ordenamento jurĆdico.
AlĆ©m da hipótese acima, existem igualmente outras possibilidades de mudanƧa do nome, como nos casos de filiação socioafetiva de enteado, adoção, casamento e uniĆ£o estĆ”vel, prenome imoral ou de exposição ao ridĆculo, nome notório ou pseudĆ“nimo, entre outras situaƧƵes.
Seguindo esse fenĆ“meno de desjudicialização, a Lei 14.382 de 27 de junho de 2022 alterou o artigo 56 da Lei 6.015/73 passando a autorizar a mudanƧa de nome, imotivadamente, uma Ćŗnica vez, após atingida a maioridade, sem necessidade de se buscar tal direito perante o poder judiciĆ”rio. Tudo Ć© feito diretamente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais; bem como, alterou o art. 57 da LRP para permitir a inclusĆ£o ou supressĆ£o de sobrenomes, patronĆmicos, mediante certidƵes e documentos necessĆ”rios, tudo diretamente nos Cartórios de Registro Civil - RCPN, independentemente de autorização judicial, para inclusĆ£o de sobrenomes familiares; inclusĆ£o ou exclusĆ£o de sobrenome do cĆ“njuge, na constĆ¢ncia do casamento; exclusĆ£o de sobrenome do ex-cĆ“njuge, após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer de suas causas; inclusĆ£o e exclusĆ£o de sobrenomes em razĆ£o de alteração das relaƧƵes de filiação, inclusive para os descendentes, cĆ“njuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado alterado.
A alteração extrajudicial do nome concretiza de forma cĆ©lere direitos fundamentais, pois permite a total equivalĆŖncia entre do nome com a identidade real das pessoas, como elas se identificam na sociedade, alĆ©m disso nĆ£o traz inseguranƧa jurĆdica, afastando qualquer alegação de fraude contra credores ou prejuĆzos a terceiros, uma vez que a principal identificação nos dias atuais se dĆ” atravĆ©s do Cadastro de Pessoas FĆsicas ā CPF.
Feita a alteração, o Oficial de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, comunicarĆ” o ato oficialmente aos órgĆ£os expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrĆ“nico, alĆ©m de observar assim as retificaƧƵes, anotaƧƵes e comunicaƧƵes especĆficas em todos outros atos, para assim, evitar riscos e conflitos registrais.
Ā
3.3.DA DESJUDICIALIZAĆĆO DA EXECUĆĆO CIVIL
Ā
Tramita no Senado, desde 2019, outro projeto que visa de vez dar uma solução a morosidade na execução, trata-se do projeto de lei nĀŗ 6204/2019, que dispƵe sobre a desjudicialização da execução civil de tĆtulo executivo judicial e extrajudicial.
O citado projeto Disciplina a execução extrajudicial civil para cobranƧa de tĆtulos executivos judiciais e extrajudiciais. Atribui ao tabeliĆ£o de protesto o exercĆcio das funƧƵes de agente de execução.
O PL 6.204/2019[10], de autoria da senadora Soraya Thronicke, trarÔ inúmeros ganhos para o cidadão, a sociedade e o Estado brasileiro, inclusive no que se refere à economia e ao mercado. Para tanto, busca-se criar a figura do "agente de execução", função a ser exercida pelos tabeliães de protestos localizados onde tramitem os respectivos procedimentos executivos. A ideia é que o tabelião de protestos passe a promover todos os atos essenciais do procedimento executivo, tais como: a citação, a verificação de requisitos legais, o recebimento do pagamento, a penhora e a alienação de bens.
O relator do projeto, Marcos RogĆ©rio, observou que, de acordo com o Conselho Nacional de JustiƧa (CNJ), o JudiciĆ”rio brasileiro tinha mais de 75 milhƵes de aƧƵes e processos em andamento em 2020. Desse montante, pelo menos 39 milhƵes eram demandas de natureza fiscal, cĆvel ou de cumprimento de sentenƧas.
O problema reside no excesso de litĆgios. Em 2020, no Brasil, a cada grupo de 100 mil habitantes, 10.675 ingressaram com uma ação judicial, ou seja, considerando esse nĆŗmero, mais de 10% da população ingressa com demandas judiciais a cada ano. A maioria dos processos de execução acaba sem solução e Ć© arquivada por falta de bens penhorĆ”veis do devedor. Logo, os juĆzes acabam despendendo boa parte do seu tempo com processos que, em sua maioria, nĆ£o geram qualquer resultado Ćŗtil para o cidadĆ£o.
A função do extrajudicial seria justamente fazer essa seleção, só permitindo que chegue ao JudiciÔrio aquilo que realmente dependa da função jurisdicional, que não possa ser resolvido no extrajudicial. O extrajudicial integra a organização judiciÔria, é fiscalizado pelo Poder JudiciÔrio, é regulamentado por lei.
As mudanƧas previstas no projeto de lei vĆ£o permitir a redução do custo da inadimplĆŖncia no mercado, melhorando o ambiente de negócios e facilitando a obtenção de emprĆ©stimos. Os cartórios jĆ” ajudam na recuperação de dĆvidas pĆŗblicas e privadas e estĆ£o preparados para as mudanƧas.
O projeto propƵe, em sĆntese, a desjudicialização da execução fundada em tĆtulo extrajudicial ou judicial por quantia certa, com transferĆŖncia para o tabeliĆ£o de protesto, denominado entĆ£o "agente de execução", da competĆŖncia para conduzir a condução forƧada de tĆtulos executivos, tanto judiciais como extrajudiciais.
A desjudicialização da execução civil é mais uma alternativa ao processo executivo judicial, propiciando uma via mais célere e eficaz no alcance material da pretensão do credor.
Ā
3.4.DA ALTERAĆĆO CONSENSUAL DO REGIME DE BENS DE CASAMENTO
Ā
Outra necessidade de se desjudicializar Ć© o procedimento de alteração consensual do regime de bens do casamento. Procedimento que passa pela anĆ”lise do magistrado sobre a necessidade do pedido, nos termos do artigo art. 1.639, § 2Āŗ, segundo o qual Ć© admissĆvel alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cĆ“njuges, apurada a procedĆŖncia das razƵes invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
A regra foi praticamente repetida pelo caput do art. 734 do Novo Código de Processo Civil, que dispõe que a alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderÔ ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cÓnjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros.
Ter que justificar a necessidade de que forma os bens adquiridos pelo casal irão comunicar ou não ao patrimÓnio de um ou de outro, se mostra como uma exagerada intromissão do Estado Juiz numa decisão que foi tomada consensualmente pelas partes interessadas.
Doutra sorte, ainda tem que ser resguardado o interesse de terceiros, possĆveis prejudicados com a alteração do regime de bens dos interessados. NĆ£o se nega tal necessidade. Pelo contrĆ”rio, o interesse do terceiro seria resguardado com o efeito ex nunc da alteração, bem como pela intimação por edital em jornal de grande circulação, atribuindo ao terceiro a necessidade de comprovar o prejuĆzo. E tudo isso na própria serventia extrajudicial.
Dado o procedimento, primeiro os interessados atravĆ©s de requerimento solicitariam ao Oficial de registro civil a alteração do regime de bens. O Oficial instruiria o procedimento com a intimação, por edital, de eventuais terceiros prejudicados. Havendo impugnação, o processo seria encaminha do juĆzo competente. Caso nĆ£o houvesse impugnação, procederia a alteração do regime de bens, observando a necessidade de prĆ©vio pacto antenupcial, no assento do casamento.
Tal alteração, com efeitos meramente ex nunc, preservaria o direito daqueles que contrataram com um dos cÓnjuges conforme a vigência do regime de bens à época.
A desjudicialização do procedimento de alteração de regime de bens se mostra crĆvel, importando em desoneração do judiciĆ”rio de vĆ”rias aƧƵes judiciais, pondo fim a intervenção Estatal desnecessĆ”ria na vida privada dos cĆ“njuges.
Esses são apenas alguns exemplos, dentre outros, de como a desjudicialização pode ser proveitÔvel ao judiciÔrio brasileiro e à população como um todo.
Ā
CONSIDERAĆĆES FINAIS
Ā
As milhares de ações que são ajuizadas diariamente no Poder JudiciÔrio têm levado a doutrina, juristas e legisladores a buscarem outras alternativas ao aparato Estatal, como a desjudicialização de procedimentos judiciais não litigiosos.
Nesse processo de desjudicialização, buscou-se um parceiro que tivesse, alĆ©m de conhecimento jurĆdico, estrutura fĆsica suficiente para melhor realizar o mister.
Identificou-se no serviƧo extrajudicial um parceiro ideal para realização desse processo, jĆ” que alĆ©m de ser o notĆ”rio e o registrador profissionais do direito, agentes pĆŗblicos, concursados, esses profissionais sĆ£o fiscalizados diretamente pelo poder judiciĆ”rio, e possuem estrutura fĆsica suficiente para implantar os meios alternativos de solução de conflitos, bem como mecanismos para desburocratização do sistema.
Em muitas cidades do interior nĆ£o hĆ” sequer poder judiciĆ”rio fixo, a Ćŗnica fonte de conhecimento jurĆdico, onde as pessoas buscam informaƧƵes sobre seus direitos, Ć© justamente os cartórios extrajudiciais.
VĆ”rias parcerias e vĆ”rios instrumentos de colaboração foram criados para aproximar cada vez mais as serventias extrajudiciais da atuação jurisdicional, tais como, a valorização da ata notarial, como instrumento probatório no processo judicial, a possibilidade de se divorciar e partilhar bens, atravĆ©s de escritura pĆŗblica, a possibilidade de promover a regularização fundiĆ”ria atravĆ©s do próprio cartório de registro de imóveis, inclusive com a conversĆ£o da legitimação da posse em propriedade, a usucapiĆ£o extrajudicial, a lavratura de Carta de SentenƧa em Cartório de Notas, bem como o protesto de sentenƧa e da certidĆ£o de dĆvida ativa em Cartório de Protesto.
Tais medidas se somaram a tantas outras incumbĆŖncias jĆ” anteriormente atribuĆdas aos Cartórios de Notas e Registros, como a fiscalização do recolhimento de tributos federais, estaduais e municipais, nos atos notariais e registrais que realizar; a incumbĆŖncia de recolher aos fundos dos Tribunais de JustiƧa, do MinistĆ©rio PĆŗblico, da Defensoria, da MĆŗtua dos Magistrados, dentre outros, os valores recolhidos dos usuĆ”rios dos serviƧos prestados; a incumbĆŖncia de firmar a declaração sobre operação imobiliĆ”ria a Receita Federal do Brasil as aquisiƧƵes e alienaƧƵes de propriedades; a prestação de informaƧƵes ao IBGE; dentre outras.
Além dessas medidas, vÔrias outras ainda estão em vias de serem implantadas, como a possibilidade de expedição de identidade no próprio cartório de registro civil de pessoas naturais, etc.
Cada vez mais o serviço extrajudicial tem sido parceiro na prestação de serviços jurisdicionais e executivos, vislumbrando-se a possibilidade de se ampliar ainda mais essa participação.
Os resultados da aplicação desses instrumentos de colaboração deixam claro essa parceria de sucesso, mostram que o caminho estĆ” aberto para uma gama cada vez maior de possibilidades que efetivamente trarĆ£o benefĆcios tanto para os notĆ”rios e registradores, como para o poder judiciĆ”rio e a sociedade como um todo.
Com respeito a quem entenda diferente, a desjudicialização de procedimentos, utilizando-se das serventias extrajudiciais, propicia vantagens para todos. Ganha a sociedade, pois terÔ serviços prestados de forma mais célere, eficiente, e com maior abrangência; ganha o Poder JudiciÔrio, pois irÔ evitar que vÔrias demandas não litigiosas superlotem os cartórios judiciais, além da facilitação de procedimentos; e ganham os cartórios de notas e registros, pois terão novas atribuições.
Ā
REFERĆNCIAS
Ā
BRAGA JR., AntÓnio Carlos Alves. Cartas de Sentenças passam a ser expedidas por Serventias Extrajudiciais. Jornal do NotÔrio, São Paulo, ano XV, n. 158, p. 12-15, nov. 2013.
______. Conselho Nacional de JustiƧa. Resolução 35, de 24 de abril de 2007. DisponĆvel em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/resolucoespresidencia/12151-resolu-no-35-de-24-de-abril-de-2007>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. DisponĆvel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015consolidado.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Lei n. 9.492, de 10 de setembro de 1997. DisponĆvel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9492.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Lei 10.406Ā de 10 de janeiro de 2002. DisponĆvel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/10406.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2017. DisponĆvel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2017-2018/2017/Lei/L13140.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Lei 8935, de 18 de novembro de 1994. DisponĆvel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8935.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Lei n. 11.441, de 04 de janeiro de 2007. DisponĆvel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Lei n. 11.977, de 07 de julho de 2009. DisponĆvel em:Ā <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-010/2009/lei/l11977.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Lei n. 14.382, de 27 de junho de 2022. DisponĆvel em:Ā <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14382.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.
Projeto de Lei do Senado n° 6204/2019. DisponĆvel em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139971. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Superior Tribunal de JustiƧa. RE n. 750.805. Relatora: Ministro Humberto Gomes de Barros. DisponĆvel em:<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=750805&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=9>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. TJRJ. Ato Normativo Conjunto n. 07/2014, de 27 de marƧo de 2017. DiƔrio Oficial [do] Poder JudiciƔrio do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 28 mar. 2014, p. 2.
______. Tribunal de JustiƧa da Bahia. Provimento Conjunto n. 3Ā de 14 de maio de 2017. DisponĆvel em: <http://www5.tjba.jus.br/images/pdf/provimento_conjunto_03_20052014_corregedorias.pdf >. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Tribunal de JustiƧa de Santa Catarina. Provimento n. 10Ā de 31 de outubro de 2017. DisponĆvel em: <http://www.anoreg.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24143:tjsc-cgj-publica-provimento-n-10-2014-que-autoriza-tabeliaes-a-extrair-cartas-de-sentenca&catid=58&Itemid=184>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Tribunal de JustiƧa de SĆ£o Paulo. Provimento 17Ā de 05 de junho de 2013. DisponĆvel em: <https://esaj.tjsp.jus.br/gcnPtl/abrirDetalhesLegislacao.do?cdLegislacaoEdit=109332&flBt Voltar =N>. Acesso em: 30 jun. 2022.
______. Tribunal de JustiƧa de SĆ£o Paulo. Provimento CG n. 31Ā de 21 de outubro de 2013. DisponĆvel em: <https://www.extrajudicial.tjsp.jus.br/pexPtl/visualizarDetalhesPublicacao.do?cdTipopublicacao=3&nuSeqpublicacao=138>. Acesso em: 30 jun. 2022.
CENEVIVA, Walter. Lei dos notÔrios e registradores comentada. São Paulo: Saraiva, 1996.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. I, 7. São Paulo: Malheiros, 2001.
FISS, DENTI apud PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. Direito Processual Civil Contemporâneo. 4. São Paulo: Saraiva, 2012.
LOUREIRO, Lair da Silva. Notas e Registros PĆŗblicos. 4. SĆ£o Paulo: Saraiva, 2012.
LOUREIRO. Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e PrÔtica. São Paulo: Método, 2010.
LUZ, CĆcero Krupp da. A POLICONTEXTURALIDADE DA LEX MERCATORIA. Dissertação disponĆvel em <http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/2436> acesso em 23 nov. 2022.
MOREIRA, Barbosa. Privatização do processo? Temas de direito processual. Sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001.
NALINI. JosĆ© Roberto. UsucapiĆ£o em Cartório. ColĆ©gio Notarial do Brasil. DisponĆvel em: http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NDAzMA. Acesso em: 30 jun. 2022.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, v. único. 3. São Paulo: Método, 2011.
PINHO. Humberto Dalla Bernadina de.Ā O serviƧo notarial e os meios alternativos de solução de conflitos. FĆRUM PERMANENTE DE DIREITO URBANĆSTICO, NOTARIAL E REGISTRAL, 24. ReuniĆ£o, 2013, Rio de Janeiro.
SANTOS, Emanuel Costa Santos. A importĆ¢ncia dos Cartórios.Ā DisponĆvel em: <http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-importancia-dos-cartorios>. Acesso em: 30 jun. 2022.
SANTOS, José Luis Ferreira dos Santos. Atividade CartorÔria Extrajudicial como Instrumento de Colaboração à Justiça Célere e Eficiente. Volume único. UICLAP, 2022
ZYLBERSZTAJN Decio, SZTAJN Rachel. AnÔlise econÓmica do direito e das organizações. Direito & Economia. Rio de Janeiro: Campus. 2005.
[1]Ā BĆHIN, Jacques. Via extrajudicial de resolução de conflitos ganha espaƧo na Europa. Boletim ANOREG. 2001 - Fevereiro - NĀŗ 2 - 22ĀŖ edição.
[2]Ā SIFUENTES, MĆ“nica. Judicialização dos conflitos familiares. DisponĆvel em: <https://jus.com.br/artigos/4242/judicializacao-dos-conflitos-familiares> Acesso em 04 nov. 2022.
[3]Ā BRASIL. Lei n. 11.441, de 04 de janeiro de 2007. DisponĆvel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm>. Acesso em 1 out. 2017.
[4]Ā Cartório em nĆŗmeros. 3ĀŖ edição. 2021. DisponĆvel em < https://www.anoreg.org.br/site/wp-content/uploads/2021/12/Anoreg_BR-Cart%C3%B3rios-em-N%C3%BAmeros-2021-3%C2%AA-Edi%C3%A7%C3%A3o.pdf>
[5]Ā RIBEIRO, Moacyr Petrocelli de Ćvila. DiĆ”logos para a "Desjudicialização". DisponĆvel em: <http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NDQ1OA==> Acesso em 11 nov. 2017.
Ā
[6] SANTOS, José Luis Ferreira dos Santos. Atividade CartorÔria Extrajudicial como Instrumento de Colaboração à Justiça Célere e Eficiente. Op. Cit. PÔg. 35
[7]Ā BRASIL. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. DisponĆvel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6766.htm>. Acesso em: 04 nov. 2022.
[8]Ā DisponĆvel em: https://www.irib.org.br/noticias/detalhes/adjudicacao-compulsoria-extrajudicial-conceitos-e-limites. Acesso em 21 nov. 2022.
[9]Ā Termo utilizado por JosĆ© Luiz Germano, JosĆ© Renato Nalini e Thomas Nosch GonƧalves, no artigo Alteração do nome e a mutabilidade extrajudicial - inseguranƧa ou efetivação de direitos fundamentais?. DisponĆvel em <https://ibdfam.org.br/artigos/1839/Altera%C3%A7%C3%A3o+do+nome+e+a+mutabilidade+extrajudicial+-+inseguran%C3%A7a+ou+efetiva%C3%A7%C3%A3o+de+direitos+fundamentais%3F+> Acesso em 21 nov. 2022
[10]Ā DisponĆvel em <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139971> Acesso em 22 nov. de 2022