top of page

DESJUDICIALIZAƇƃO: NOVAS PERSPECTIVAS EXTRAJUDICIAIS

  • JosĆ© Luis Ferreira dos Santos
  • 24 de mar.
  • 27 min de leitura

DEJUDICIALIZATION: NEW EXTRAJUDICIAL PERSPECTIVES

Ā 

JosƩ Luis Ferreira dos Santos

Ā 

RESUMO:Ā A prestação jurisdicional demorada, tardia, pode equivaler Ć  inexistĆŖncia de prestação jurisdicional, e um dos motivos Ć© a imensidĆ£o de aƧƵes judiciais que sĆ£o ajuizadas diariamente. Muitas desses processos sĆ£o frutos meramente da formalização da vontade das partes ou da lei, homologados pelo juiz. Dada a flagrante insuficiĆŖncia de pessoal, seja de serventuĆ”rios, seja de magistrados, almejam-se meios alternativos, jurisdicionais ou nĆ£o jurisdicionais, que resolvam essas questƵes sem a necessidade de manifestação do magistrado, e consequentemente, sem a movimentação do aparato estatal. DaĆ­ que surge como uma dessas alternativas a delegação de certas atividades jurisdicionais a outros agentes, como uma forma de ā€œdesjudicializarā€ questƵes meramente administrativas, trazendo para a iniciativa privada a demanda social, sem que se perca a qualidade da prestação e o controle judicial, ainda que indireto. Nas Ćŗltimas dĆ©cadas, muitos direitos que antes eram apenas postulados na esfera judicial passaram a ser requeridos e exercidos na esfera extrajudicial, grande parte deles por tabeliĆ£es e registradores que, nos termos do art. 3° da lei 8935/94, sĆ£o profissionais do direito, dotados de fĆ© pĆŗblica, a quem Ć© delegado o exercĆ­cio da atividade notarial e de registro. O serviƧo extrajudicial Ć© fiscalizado pelo poder judiciĆ”rio e tem por objetivo garantir a publicidade, autenticidade, seguranƧa e eficĆ”cia dos atos jurĆ­dicos. Diante de tal cenĆ”rio, podemos compreender que o fenĆ“meno da desjudicialização se faz necessĆ”rio, trazendo grandes benefĆ­cios para sociedade como um todo, proporcionando celeridade e efetividade a concretização de direitos fundamentais Ć  sociedade brasileira. Seguindo essa tendĆŖncia, propƵe-se identificar as novas perspectivas para novas desjudicializaƧƵes, aquelas recentemente implantadas e outras que ainda dependem de anĆ”lise e proposição legislativa.

Ā 

PALAVRAS-CHAVE: desjudicialização; serventias extrajudiciais; anÔlise econÓmica do direito; novas perspectivas.

Ā 

ABSTRACT: Delayed, late judicial provision may be equivalent to the lack of judicial provision, and one of the reasons is the immensity of lawsuits that are filed daily. Many of these processes are merely the result of the formalization of the will of the parties or the law, approved by the judge. Given the flagrant shortage of personnel, whether public servants or magistrates, alternative means, judicial or non-jurisdictional, are sought to resolve these issues without the need for the magistrate to manifest, and consequently, without the movement of the state apparatus. Hence, the delegation of certain jurisdictional activities to other agents emerges as one of these alternatives, as a way of ā€œdejudicializingā€ purely administrative issues, bringing social demand to the private sector, without losing the quality of provision and judicial control, albeit indirect. In recent decades, many rights that were previously only postulated in the judicial sphere began to be required and exercised in the extrajudicial sphere, most of them by notaries and registrars who, under the terms of art. 3 of Law 8935/94, are legal professionals, endowed with public faith, who are delegated the exercise of notary and registration activities. The extrajudicial service is supervised by the judiciary and aims to ensure the publicity, authenticity, security and effectiveness of legal acts. Faced with such a scenario, we can understand that the phenomenon of dejudicialization is necessary, bringing great benefits to society as a whole, providing speed and effectiveness to the realization of fundamental rights to Brazilian society. Following this trend, it is proposed to identify new perspectives for new dejudicializations, those recently implemented and others that still depend on analysis and legislative proposal.

Ā 

KEYWORDS: dejudicialization; extrajudicial services; economic analysis of law; new perspectives.

Ā 

1.Ā Ā Ā Ā  INTRODUƇƃO

Ā 

A atividade jurisdicional tem enfrentado vÔrios desafios nos últimos anos. O mais preocupante deles, é como superar a morosidade na entrega da prestação jurisdicional sem deixar de lado a qualidade nos procedimentos e nas decisões.

Muitas atividades, principalmente aquelas de cunho eminentemente ou predominantemente administrativos, de jurisdição voluntÔria, são vistas como passíveis de delegação a outros profissionais, órgãos ou entidades.

Fatores como falta de mão de obra, falta de equipamentos, falta de administração ativa, e perda de tempo com atividades outras, ou delegÔveis, fazem com que o JudiciÔrio brasileiro não consiga efetuar o seu mister de forma célere e eficiente.

A delegação de atribuições do JudiciÔrio, que não envolvam litigio, a outros profissionais do Direito, tem demonstrado ser um caminho eficaz, no intuito de permanecer no Poder JudiciÔrio apenas pretensões que exijam resoluções de litígios.

A demora na entrega da prestação jurisdicional, em determinados casos, resultado da ineficiência estatal, gera, por conseguinte, o próprio descrédito na justiça brasileira, identificando-se como uma verdadeira mazela aos jurisdicionados.

Por vezes, a morosidade em se obter o pronunciamento judicial acarreta o perecimento do direito, tornando inservível a própria pretensão. Essa crise no JudiciÔrio é decorrente da precÔria estrutura física e material do Poder JudiciÔrio, adicionando-se a isso o surgimento de uma nova realidade social com novas demandas, frutos dos tempos modernos e com novas questões que demandam soluções cada vez mais céleres e qualificadas.

Como fruto dessa combinação inadequada de ā€œnecessidadeā€ dos jurisdicionados e ā€œofertaā€ precĆ”ria do Poder JudiciĆ”rio, cresce substancialmente a insatisfação social, uma vez que a prestação jurisdicional se mostra em dissonĆ¢ncia com as expectativas sociais, causando frustração com a JustiƧa (SANTOS, 2021, p. 13).

A excessiva morosidade nos processos judiciais e a baixíssima eficÔcia de determinadas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulando investimentos e propiciando a inadimplência.

Em que pese a demora na solução do litígio apresentar seus elementos nocivos, não se pode buscar uma celeridade a qualquer custo, sob pena de comprometimento do devido processo legal e, por conseguinte, da prestação jurisdicional adequada, justa e eficaz.

Nesse contexto, outros personagens aparecem como fortes aliados ao poder judiciÔrio em busca da celeridade e eficiência estatal, principalmente naquelas hipóteses em que não hÔ necessariamente um caso a ser julgado, mas apenas a formalização e a publicização de atos através do aparato estatal.

O serviço extrajudicial, por exemplo, estÔ entre as instituições mais acessíveis aos brasileiros, tanto pela tradição delas na sociedade, como pelo fato de que estão instalados nos lugares mais longínquos do país, funcionando, sobretudo no interior, como lugar de consulta e aconselhamentos jurídicos para a população.

Para tratar da Poder JudiciÔrio brasileiro, suas problemÔticas, novas perspectivas de alternativas à prestação jurisdicional, dentre outros, serão utilizadas principalmente as obras de Humberto Dalla Bernadina de Pinho. Direito Processual Civil Contemporâneo; Luiz Guilherme Loureiro. Registros Públicos: Teoria e PrÔtica; e de minha autoria: José Luis Ferreira dos Santos. Atividade CartorÔria Extrajudicial como Instrumento de Colaboração à Justiça Célere e Eficiente. Para tanto, utilizou-se de técnica de pesquisa bibliogrÔfica, através de método analítico e dialético. Em relação à AnÔlise EconÓmica do Direito, o livro organizado por Decio Zylbersztajn e Rachel Sztajn, Direito & Economia, assim como outras obras que eventualmente se tornarem necessÔrias para este artigo.

Ā 

2.Ā Ā Ā Ā  A ANALISE ECONƔMICA DO DIREITO E A DESJUDICIALIZAƇƃO DE PROCEDIMENTOS

Ā 

Tanto no Direito como na Economia, pressupƵe-se que o JudiciƔrio estƔ sempre pronto e capacitado a resolver as disputas contratuais rƔpida, informada, imparcial e previsivelmente, atendo-se aos termos originais do contrato e ao texto da lei.

Essa simplificação gera uma interpretação viesada da realidade, que subestima a importĆ¢ncia dos mecanismos utilizados pelos agentes econĆ“micos para ā€œcontratar fora das estruturas pĆŗblicas, considerando o ordenamento privadoā€.

Segundo nos ensina o doutor CĆ­cero Krupp da Luz, professor do programa de pós graduação da Faculdade de Direito do Sul de Minas, ā€œĆ© fruto da hipercomplexidade, em que Ć© necessĆ”rio que o direito, como um sistema, seja autĆ“nomo e, ao mesmo tempo, se comunique, estabeleƧa conexƵes com outros sistemas, como no caso da polĆ­tica e da economiaā€ (LUZ, 2009, p. 84).

Porém, o hiato entre o desempenho teórico do JudiciÔrio e aquele observado na prÔtica é uma das razões por que a atividade econÓmica, por vezes, se organiza de formas não canÓnicas, buscando reduzir custos de transação e preservar relações que envolvam investimentos específicos.

Armando Castelar Pinheiro destaca no livro Direito & Economia, de coordenação de Décio Zylbersztajn e Rachel Sztajn, como resultado de pesquisa realizada pela Revista Vox Populi em abril de 1999, que magistrados e empresÔrios apontam a falta de agilidade como o principal problema do JudiciÔrio brasileiro, vindo em seguida o elevado custo de acesso (despesas e custas), e a falta de previsibilidade (ZYLBERSZTAJN DECIO e SZTAJN RACHEL, 2005, p. 246-276).

Foram analisadas duas causas para a morosidade da Justiça. A primeira diz respeito ao grande número de casos levados aos tribunais por pessoas, empresas e grupos de interesse, não para lutar por um direito, mas para explorar a lentidão do JudiciÔrio, adiar o cumprimento de uma obrigação.

De acordo com os magistrados, esse tipo de comportamento também é muito comum por parte do setor público. O segundo tipo de causa da morosidade inclui os fatores mais diretamente relacionados à operação do JudiciÔrio, como a carência de recursos, a legislação e a forma de atuação dos juízes e de outros operadores do Direito.

Em relação à insuficiência de recursos, os magistrados apontam a falta de juízes como o problema mais importante, vindo em seguida a falta de informatização e, em terceiro lugar, a precariedade das instalações.

A falta de uma administração ativa de casos também é vista como o problema mais relevante, mas ainda assim de importância secundÔria quando comparada à falta de recursos ou as falhas na legislação processual.

A importĆ¢ncia em certo sentido secundĆ”ria desse problema Ć© consistente com os 59,1% dos magistrados pesquisados por Sadek que consideraram ser o fato de os ā€œjuĆ­zes estarem sobrecarregados com tarefas que poderiam ser delegadasā€.

A importância secundÔria atribuída à ineficiência administrativa contrasta com estudos do Banco Mundial que apontaram que os juízes brasileiros despendiam 65% de seu tempo em atividades não judicantes. Segundo os próprios magistrados, porém, três quartos deles não gastam mais do que 30% do seu tempo em atividades administrativas, com somente 5,1% dos entrevistados ocupando mais do que 50% do seu tempo com essas atividades.

Dos motivos que levam os juƭzes a despender uma significativa parcela de seu tempo em trabalhos administrativos, o arcaƭsmo das prƔticas administrativas Ʃ apontado como o mais importante, vindo em seguida a falta de preparo dos funcionƔrios e de treinamento dos juƭzes nesse tipo de atividade.

Assim, a delegação de atividades judiciais típicas de jurisdição voluntÔria, em que não hÔ litígios, e/ou meramente administrativas, a outros agentes vem se mostrando medida eficaz na desburocratização do acesso a direitos fundamentais de seus titulares.

Neste ponto, em que pese grandes doutrinadores do direito processual brasileiro e internacional, como Owen Fiss, ā€œSterling Professorā€ da Yale University, e de Vittorio Denti, que manifestam preocupação com o fenĆ“meno da justiƧa coexistencial e a possĆ­vel privatização dos conflitos, jĆ” que poderiam levar a exclusĆ£o das garantias processuais bĆ”sicas, a realidade da desjudicialização tem demonstrado o contrĆ”rio (FISS, DENTI apud PINHO, 2012, p. 758).

Barbosa Moreira, a estudar a questão no ordenamento brasileiro e concluir, após examinar as posições divergentes, no sentido de ser positiva a contribuição dos mecanismos alternativos à resolução dos conflitos (MOREIRA, 2001, p. 7-18).

Seguindo o entendimento deste doutrinador não resta dúvida de que a jurisdição, hoje, não atende de forma efetiva à demanda social de pacificação e resolução das controvérsias, além de não ter sido capaz de acompanhar o frenético e acelerado ritmo das transformações culturais e sociais que vivenciamos desde o fim do milênio passado.

O que se deve compreender – e esse Ć© o ponto nodal da questĆ£o – Ć© que a desestatização de procedimentos nĆ£o veio tomar o lugar da jurisdição, muito pelo contrĆ”rio, a desjudicialização vĆŖm demonstrar, exatamente, que deve haver uma forma de solução para cada tipo de natureza de demanda que se apresenta.

Em dadas situações nenhum instrumento é mais efetivo que a jurisdição; hÔ outras em que, por melhor que seja o juiz e por mais adequado que seja o procedimento, a jurisdição simplesmente não se revela apropriada. O segredo, portanto, estÔ em compreender a desjudicialização como uma soma à atividade jurisdicional, e não como uma simples subtração desta.

Conforme ensina Daniel Assumpção Amorim, o Estado não tem, por meio da jurisdição, o monopólio da solução dos conflitos, sendo admitidas pelo Direito outras maneiras pelas quais as partes possam buscar uma solução do conflito em que estão envolvidas (NEVES, 2011, p. 5).

Segundo o autor, não é concebível que o Estado seja o único a promover a solução de conflitos, pelo contrÔrio, o Estado seria o último ou, numa visão mais garantista-jurisdicional, um dos caminhos para se chegar à pacificação.

Para Cândido Rangel Dinamarco, a sólida herança cultural transmitida pela obra dos cientistas do direito, mais a prÔtica diuturna dos problemas da justiça institucionalizada e exercida pelo Estado com exclusividade mediante julgamentos e constrições sobre pessoas e bens, são responsÔveis pelo grande zelo voltado à jurisdição como objeto de hermético monopólio estatal (DINAMARCO, 2001, p. 121).

A exagerada valorização da tutela jurisdicional estatal, a ponto de afastar ou menosprezar o valor de outros meios de pacificar, constitui um desvio de perspectiva a ser evitado.

Para o notÔrio francês Jacques Béhin[1], hÔ uma tendência crescente na Comunidade Européia em legislar sobre vias alternativas extrajudiciais de resolução de conflitos, com atenção especial voltada para os litígios familiares, sob a perspectiva de "desjudicialização" da sociedade. E este título vem coincidir com a missão tradicional do notÔrio em matéria de mediação e de prevenção de conflitos.

Para a desembargadora MÓnica Sifuentes[2], um exemplo de desjudicialização no direito comparado seria o ordenamento jurídico português, que tem adotado caminho diferente do nosso na matéria relativa a menores ou relações familiares, tais como atribuição de alimentos a filhos maiores, a autorização para utilização ou proibição do uso do sobrenome do cÓnjuge divorciado, a conversão da separação em divórcio, quando não houver litígio, a reconciliação de cÓnjuges separados, entre outras, foram transferidas para o Ministério Público ou o próprio Cartório de Registro Civil (Decretos-Leis n. 272 e 273 de 13 de outubro de 2001).

Assim, caminha o ordenamento português a atribuir a seu Poder JudiciÔrio exclusivamente a solução de lides que não possam se dar pela autocomposição dos interesses em litígio. A heterocomposição, origem da jurisdição, deve ser a exceção nos casos da denominada jurisdição voluntÔria.

No Brasil, o ordenamento jurídico estÔ aderindo, não apenas ao tabelionato de notas, mas também a todas as especialidades de serventias extrajudiciais, cada qual com seu feixe de atribuições, estão galgando distinta posição.

Seguindo o mesmo rumo dos meios alternativos de resolução de conflitos, existem hoje vÔrios outros mecanismos que servem como colaboradores à justiça, vÔrios institutos jÔ hoje foram desjudicializados, e essa é a tendência moderna.

Pode-se citar, a título de exemplo, a Lei 11.441/07[3], que atribuiu aos cartórios de notas a lavratura de escritura de inventÔrio, partilha, separação e divórcio. Segundo o estudo Justiça em Números, conduzido em 2020, pelo Conselho Nacional de Justiça, cada processo que entra no JudiciÔrio custa em média R$ 2.369,73 para o contribuinte. Isso significa dizer, que multiplicado por 4,5 milhões, o erÔrio brasileiro economizou cerca de 10,6 bilhões de reais com a delegação deste serviço aos Cartórios de Notas[4].

O Oficial de registro civil e TabeliĆ£o Moacyr Petrocelli[5] destaca os procedimentos que jĆ” foram repassados aos notĆ”rios e registradores, desobstruindo as veias do Poder JudiciĆ”rio. Pode-se citar en passant:Ā (i) no registro civil das pessoas naturais, o reconhecimento de filiação pode ser feito atualmente diretamente em cartório, sendo dispensada a manifestação do MinistĆ©rio PĆŗblico e autorização do juiz (Provimento 16 do CNJ); (ii) ainda em sede de registro civil, conforme alteração doĀ artigo 110 da Lei nĀŗ 6.015/1973, promovida pela Lei nĀŗ 12.100/2009, houve a trasladação para a via administrativa das retificaƧƵes de registros referentes a erros mais simples, que nĆ£o exijam qualquer indagação para a constatação imediata da necessidade de sua correção – casos que antes necessariamente eram julgadas pelo Poder JudiciĆ”rio, podem, hoje, administrativamente ser encaminhadas apenas ao MinistĆ©rio PĆŗblico para parecer conclusivo; (iii)Ā no tabelionato de protesto, a nova previsĆ£o legal, veiculada pela Lei nĀŗ 12.767/2012, da possibilidade de se levar a protesto certidĆ£o de dĆ­vida ativa da UniĆ£o, dos Estados, do Distrito Federal, dos MunicĆ­pios e das respectivas autarquias e fundaƧƵes pĆŗblicas – antes era considerada exclusividade do Poder JudiciĆ”rio empreender esforƧos para satisfação dos crĆ©ditos tributĆ”rios; (iv)Ā especialmente no Estado de SĆ£o Paulo, pelo Provimento CG nĀŗ 31/2013, foi conferida a possibilidade de expedição de cartas de sentenƧas pelas serventias do registro civil e do tabelionato de notas; entre outras medidas elogiĆ”veis.

Para o referido profissional ainda hĆ” uma sĆ©rie de projetos e boas intenƧƵes de transformar vĆ”rias matĆ©rias que hoje ainda sĆ£o de competĆŖncia exclusiva do Poder JudiciĆ”rio, em faculdade de acesso pelo interessado Ć s vias notariais e registrais, o que certamente representarĆ” um grande avanƧo para a justiƧa brasileira tendo em vista Ć  indescritĆ­vel agilidade que serĆ” conferida aos atos e procedimentos. A verdade Ć© que o Brasil, enfim, caminha a passos largos para a necessĆ”ria ā€œdesjudicializaçãoā€.

A ideia da desjudicialização parte da crença de que o JudiciÔrio e seus serviços devam ser reservados para assuntos jurídica e socialmente complexos e relevantes. Pretende-se, dessa forma, alargar os caminhos do acesso ao Direito e à Justiça, colocando à disponibilidade dos cidadãos meios mais acessíveis para resolução de seus litígios.

A ineficiência estatal, gera, por conseguinte, o próprio descrédito na justiça brasileira, identificando-se como uma verdadeira mazela aos jurisdicionados. A morosidade em se obter o pronunciamento judicial acarreta o perecimento do direito, tornando inservível a própria pretensão. Daí a necessidade de desjudicializar procedimentos. A morosidade, a lentidão e a falta de aparelhamento estatal estão entre os principais motivos que reforçam esta necessidade.

Essa crise no JudiciĆ”rio Ć© decorrente da precĆ”ria estrutura fĆ­sica e material do Poder JudiciĆ”rio, adicionando-se a isso o surgimento de uma nova realidade social com novas demandas, frutos dos tempos modernos e com novas questƵes que demandam soluƧƵes cada vez mais cĆ©leres e qualificadas. Como resultado dessa combinação inadequada de ā€œnecessidadeā€ dos jurisdicionados e ā€œofertaā€ precĆ”ria do Poder JudiciĆ”rio, a insatisfação social cresce substancialmente, jĆ” que a prestação jurisdicional se mostra em dissonĆ¢ncia com as expectativas sociais.

Neste contexto, o serviço extrajudicial surge como colaborador para este processo de desburocratização e desjudicialização de procedimentos. De fato, as serventias extrajudiciais estão entre as instituições mais acessíveis aos brasileiros, tanto pela tradição delas em nossa sociedade, como pelo fato de que estão instalados nos lugares mais longínquos do país, funcionando, sobretudo no interior, como lugar de consulta e aconselhamentos jurídicos para a população.

Ā 

3.Ā Ā Ā Ā  NOVAS PERSPECTIVAS DESJUDICIALIZADORAS

Ā 

Como jÔ afirmado, o serviço extrajudicial é um forte aliado do poder judiciÔrio em busca da justiça efetiva e da prestação jurisdicional eficiente à sociedade. PÓde-se observar nos capítulos anteriores a necessidade e o avanço de novas medidas desjudicializadoras. Os resultados da aplicação de instrumentos de colaboração deixam claro que o caminho estÔ aberto para uma gama cada vez maior de possibilidades que efetivamente trarão benefícios tanto para esses profissionais, como para o poder judiciÔrio e a sociedade como um todo[6].

Como se vê, a parceria entre o JudiciÔrio e os cartórios se mostra apta para a solução do descompasso que estÔ mergulhado o JudiciÔrio brasileiro. Primeiro, porque ajuda a diminuir a demanda no JudiciÔrio, jÔ que incontÔveis processos estão deixando de nele ingressar.

Segundo, porque aproveita estrutura e pessoal jÔ consolidados em um sistema, evitando se, assim, gastos elevadíssimos para o orçamento público, ao reconhecer o papel das serventias extrajudiciais como parceiras do JudiciÔrio e da população, o Brasil estÔ economizando recursos públicos e utilizando o potencial da formação jurídica desses profissionais.

Terceiro porque reserva a atuação de juízes e servidores às ações mais complexas e litigiosas. Não é de agora que o judiciÔrio tem contado com o serviço extrajudicial para realizar o seu mister. Seja no âmbito probatório, seja na seara da segurança jurídica, seja na praticidade, o judiciÔrio tem cada vez mais se utilizado dos serviços prestados pelos cartórios de notas e de registros.

Ā 

3.1.DA ADJUDICAƇƃO COMPULSƓRIA EXTRAJUDICIAL

Ā 

Como dito, hÔ uma latente necessidade de que vÔrios procedimentos hoje judicializados sejam desburocratizados em vias outras, como a extrajudicial, principalmente naqueles procedimentos que não exigem intervenção estatal direta, mas sim um olhar acurado de um profissional do direito isento e imparcial.

Dentre os procedimentos judiciais recentemente desjudicializados temos a Adjudicação Compulsória, prevista no art. 1.418 do Código Civil Brasileiro de 2002, cujo fundamento é o direito real de aquisição decorrente de uma promessa de compra e venda, sem clÔusula de arrependimento.

O art. 1417 do CC/2002 dispõe que mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

JÔ o artigo 1418 trata da forma de obtenção, do exercício do direito real de aquisição, que o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Veja que a previsão legal exige que um juiz venha determinar a adjudicação compulsória do bem. E assim o fazendo, faz com que a parte interessada seja obrigada a contratar um advogado, a peticionar num processo judicial e aguardar anos para obtenção de um direito tão óbvio. Ora, se numa promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, o promitente comprador realizou o pagamento como avençado, não hÔ porque se exigir deste compromissÔrio a provocação estatal, até porque não hÔ o que se discutir, não hÔ o que se contradizer.

Uma vez dada a quitação, seja por termo de quitação, seja pelo pagamento de todas as parcelas, não hÔ de se negar a outorga dominial ao titular do direito real.

Na prÔtica, os promitentes compradores acabam ajuizando ações judiciais morosas, que duram em média de 2 a 4 anos, cujos processos os promitentes vendedores, na maioria das vezes, não localizados, são citados por edital. Por fim, o juiz ao analisar o pagamento de todas as parcelas acaba concedendo a adjudicação do bem.

Procedimento semelhante jÔ é utilizado em promessas de compra e venda firmadas no âmbito de loteamentos regidos pela lei 6.766/79[7] (lei de parcelamento do solo urbano).

Os artigos 25 e 26 da citada lei dispõe sobre a promessa de compra e venda de lotes urbanizados, cuja promessa de compra e venda foi firmado por um loteador. 

São irretratÔveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular.

Até aqui tudo igual a tradicional adjudicação compulsória do Código Civil. Acontece que a lei 9.785/1999 incluiu no art. 26 da lei 6.766/79, em seu §6º, a possibilidade de se adjudicar o bem extrajudicialmente, ou seja, mediante prova da quitação perante o registrador imobiliÔrio. In verbis:

§ 6o Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.       (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999)

Ā 

Veja que o citado artigo não exige que se proceda a uma ação judicial, mas apenas a comprovação da quitação do valor avençado.

O §6º do art. 26 da lei de loteamentos se mostrou como ótimo instrumento desjudicializador à época, o mesmo procedimento poderia ser utilizado nas promessas de compra e venda irrevogÔveis do Código Civil, tornando menos moroso e burocrÔtico o procedimento de adjudicação de bens em direitos reais de aquisição, facilitando o acesso a justiça e reduzindo o déficit judiciÔrio.

Porém, em 2022, o Congresso decidiu ampliar a possibilidade da adjudicação compulsória extrajudicial às demais hipóteses, tornando o procedimento muito mais simples, célere e eficaz.

Através da lei nº 14.382/2022 foi transferido ao registrador de imóveis a incumbência de verificar o pagamento dos valores através da apresentação por parte do promitente comprador do termo de quitação ou dos recibos das parcelas pagas. Uma vez comprovado o pagamento e, intimado o promitente vendedor, o registrador tornaria definitivo o registro dominial em nome do compromissÔrio, que a partir de então se tornaria legitimo proprietÔrio do bem. Em caso de oposição do promitente vendedor, o registrador mandaria o processo então extrajudicial para a via judicial.

A lei 14.382 altera a lei 6.015/73 para incluir o art. 216-B, dispondo que sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderÔ ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel. Designa como legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionÔrios ou promitentes cessionÔrios, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado

O pedido deve ser instruído com os seguintes documentos: I - instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso; II - prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderÔ delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos; III - ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade; IV - certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação; V - comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI); e VI - procuração com poderes específicos.

Mediante a apresentação desses documentos, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederÔ ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão.   

Com potencial de desjudicializar parte dos expedientes que se propƵem, esse novo instituto Ć© mais um mecanismo que visa efetivar direitos em prol da sociedade, haja vista consolidar a propriedade em nome de um compromissĆ”rio comprador, que por motivos alheios a sua vontade, nĆ£o consegue alcanƧar o compromitente vendedor para efetivar o negócio jurĆ­dico que lhe traria o direito real sobre a propriedade, conforme destaca o Vice Presidente do ColĆ©gio Notarial do Brasil – Seção Minas Gerais Eduardo Calais Pereira[8].

Ā 

3.2.DAS HIPOTESES DE MUTABILIDADE EXTRAJUDICIAL DO NOME

Ā 

O Direito brasileiro, notadamente a legislação registral, sempre teve preocupação em se resguardar mecanismo de segurança e identificação da pessoa natural, principalmente o nome, princípio da imutabilidade do nome.

Apenas em situações excepcionais se permitia judicialmente a alteração do nome.  A exemplo disso temos o art. 109, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), que prevê a possibilidade de que o assento seja retificado, devendo o juiz ordenar a expedição de mandado específico para isso, bem como o art. 56 da Lei 6015/73 que autorizava sua modificação em um prazo decadencial de 1 ano, após a pessoa atingir a maioridade.

Porém, a crescente demanda por alteração de prenomes e patronímicos impulsionou o Congresso a permitir hipóteses de alteração de nome diretamente pela via extrajudicial.

Enquanto direito da personalidade, o nome civil da pessoa natural deve ser analisado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado na Carta Política de 1988, o que importa na releitura do princípio da imutabilidade, permitindo-se sua mitigação. Atualmente, tal princípio, deve ser considerado como da mutabilidade motivada[9], pois diversos julgados do STJ têm feito a relativização da imutabilidade, e jÔ é um movimento quase que unânime de mitigação desse princípio, baseado numa anÔlise principiológica do ordenamento jurídico.

Além da hipótese acima, existem igualmente outras possibilidades de mudança do nome, como nos casos de filiação socioafetiva de enteado, adoção, casamento e união estÔvel, prenome imoral ou de exposição ao ridículo, nome notório ou pseudÓnimo, entre outras situações.

Seguindo esse fenÓmeno de desjudicialização, a Lei 14.382 de 27 de junho de 2022 alterou o artigo 56 da Lei 6.015/73 passando a autorizar a mudança de nome, imotivadamente, uma única vez, após atingida a maioridade, sem necessidade de se buscar tal direito perante o poder judiciÔrio. Tudo é feito diretamente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais; bem como, alterou o art. 57 da LRP para permitir a inclusão ou supressão de sobrenomes, patronímicos, mediante certidões e documentos necessÔrios, tudo diretamente nos Cartórios de Registro Civil - RCPN, independentemente de autorização judicial, para inclusão de sobrenomes familiares; inclusão ou exclusão de sobrenome do cÓnjuge, na constância do casamento; exclusão de sobrenome do ex-cÓnjuge, após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer de suas causas; inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação, inclusive para os descendentes, cÓnjuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado alterado.

A alteração extrajudicial do nome concretiza de forma cĆ©lere direitos fundamentais, pois permite a total equivalĆŖncia entre do nome com a identidade real das pessoas, como elas se identificam na sociedade, alĆ©m disso nĆ£o traz inseguranƧa jurĆ­dica, afastando qualquer alegação de fraude contra credores ou prejuĆ­zos a terceiros, uma vez que a principal identificação nos dias atuais se dĆ” atravĆ©s do Cadastro de Pessoas FĆ­sicas – CPF.

Feita a alteração, o Oficial de registro civil de pessoas naturais no qual se processou a alteração, comunicarÔ o ato oficialmente aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, preferencialmente por meio eletrÓnico, além de observar assim as retificações, anotações e comunicações específicas em todos outros atos, para assim, evitar riscos e conflitos registrais.

Ā 

3.3.DA DESJUDICIALIZAƇƃO DA EXECUƇƃO CIVIL

Ā 

Tramita no Senado, desde 2019, outro projeto que visa de vez dar uma solução a morosidade na execução, trata-se do projeto de lei nº 6204/2019, que dispõe sobre a desjudicialização da execução civil de título executivo judicial e extrajudicial.

O citado projeto Disciplina a execução extrajudicial civil para cobrança de títulos executivos judiciais e extrajudiciais. Atribui ao tabelião de protesto o exercício das funções de agente de execução.

O PL 6.204/2019[10], de autoria da senadora Soraya Thronicke, trarÔ inúmeros ganhos para o cidadão, a sociedade e o Estado brasileiro, inclusive no que se refere à economia e ao mercado. Para tanto, busca-se criar a figura do "agente de execução", função a ser exercida pelos tabeliães de protestos localizados onde tramitem os respectivos procedimentos executivos. A ideia é que o tabelião de protestos passe a promover todos os atos essenciais do procedimento executivo, tais como: a citação, a verificação de requisitos legais, o recebimento do pagamento, a penhora e a alienação de bens.

O relator do projeto, Marcos RogƩrio, observou que, de acordo com o Conselho Nacional de JustiƧa (CNJ), o JudiciƔrio brasileiro tinha mais de 75 milhƵes de aƧƵes e processos em andamento em 2020. Desse montante, pelo menos 39 milhƵes eram demandas de natureza fiscal, cƭvel ou de cumprimento de sentenƧas.

O problema reside no excesso de litígios. Em 2020, no Brasil, a cada grupo de 100 mil habitantes, 10.675 ingressaram com uma ação judicial, ou seja, considerando esse número, mais de 10% da população ingressa com demandas judiciais a cada ano. A maioria dos processos de execução acaba sem solução e é arquivada por falta de bens penhorÔveis do devedor. Logo, os juízes acabam despendendo boa parte do seu tempo com processos que, em sua maioria, não geram qualquer resultado útil para o cidadão.

A função do extrajudicial seria justamente fazer essa seleção, só permitindo que chegue ao JudiciÔrio aquilo que realmente dependa da função jurisdicional, que não possa ser resolvido no extrajudicial. O extrajudicial integra a organização judiciÔria, é fiscalizado pelo Poder JudiciÔrio, é regulamentado por lei.

As mudanças previstas no projeto de lei vão permitir a redução do custo da inadimplência no mercado, melhorando o ambiente de negócios e facilitando a obtenção de empréstimos. Os cartórios jÔ ajudam na recuperação de dívidas públicas e privadas e estão preparados para as mudanças.

O projeto propõe, em síntese, a desjudicialização da execução fundada em título extrajudicial ou judicial por quantia certa, com transferência para o tabelião de protesto, denominado então "agente de execução", da competência para conduzir a condução forçada de títulos executivos, tanto judiciais como extrajudiciais.

A desjudicialização da execução civil é mais uma alternativa ao processo executivo judicial, propiciando uma via mais célere e eficaz no alcance material da pretensão do credor.

Ā 

3.4.DA ALTERAƇƃO CONSENSUAL DO REGIME DE BENS DE CASAMENTO

Ā 

Outra necessidade de se desjudicializar é o procedimento de alteração consensual do regime de bens do casamento. Procedimento que passa pela anÔlise do magistrado sobre a necessidade do pedido, nos termos do artigo art. 1.639, § 2º, segundo o qual é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cÓnjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

A regra foi praticamente repetida pelo caput do art. 734 do Novo Código de Processo Civil, que dispõe que a alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderÔ ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cÓnjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros.

Ter que justificar a necessidade de que forma os bens adquiridos pelo casal irão comunicar ou não ao patrimÓnio de um ou de outro, se mostra como uma exagerada intromissão do Estado Juiz numa decisão que foi tomada consensualmente pelas partes interessadas.

Doutra sorte, ainda tem que ser resguardado o interesse de terceiros, possíveis prejudicados com a alteração do regime de bens dos interessados. Não se nega tal necessidade. Pelo contrÔrio, o interesse do terceiro seria resguardado com o efeito ex nunc da alteração, bem como pela intimação por edital em jornal de grande circulação, atribuindo ao terceiro a necessidade de comprovar o prejuízo. E tudo isso na própria serventia extrajudicial.

Dado o procedimento, primeiro os interessados através de requerimento solicitariam ao Oficial de registro civil a alteração do regime de bens. O Oficial instruiria o procedimento com a intimação, por edital, de eventuais terceiros prejudicados. Havendo impugnação, o processo seria encaminha do juízo competente. Caso não houvesse impugnação, procederia a alteração do regime de bens, observando a necessidade de prévio pacto antenupcial, no assento do casamento.

Tal alteração, com efeitos meramente ex nunc, preservaria o direito daqueles que contrataram com um dos cÓnjuges conforme a vigência do regime de bens à época.

A desjudicialização do procedimento de alteração de regime de bens se mostra crível, importando em desoneração do judiciÔrio de vÔrias ações judiciais, pondo fim a intervenção Estatal desnecessÔria na vida privada dos cÓnjuges.

Esses são apenas alguns exemplos, dentre outros, de como a desjudicialização pode ser proveitÔvel ao judiciÔrio brasileiro e à população como um todo.

Ā 

CONSIDERAƇƕES FINAIS

Ā 

As milhares de ações que são ajuizadas diariamente no Poder JudiciÔrio têm levado a doutrina, juristas e legisladores a buscarem outras alternativas ao aparato Estatal, como a desjudicialização de procedimentos judiciais não litigiosos.

Nesse processo de desjudicialização, buscou-se um parceiro que tivesse, além de conhecimento jurídico, estrutura física suficiente para melhor realizar o mister.

Identificou-se no serviço extrajudicial um parceiro ideal para realização desse processo, jÔ que além de ser o notÔrio e o registrador profissionais do direito, agentes públicos, concursados, esses profissionais são fiscalizados diretamente pelo poder judiciÔrio, e possuem estrutura física suficiente para implantar os meios alternativos de solução de conflitos, bem como mecanismos para desburocratização do sistema.

Em muitas cidades do interior não hÔ sequer poder judiciÔrio fixo, a única fonte de conhecimento jurídico, onde as pessoas buscam informações sobre seus direitos, é justamente os cartórios extrajudiciais.

VÔrias parcerias e vÔrios instrumentos de colaboração foram criados para aproximar cada vez mais as serventias extrajudiciais da atuação jurisdicional, tais como, a valorização da ata notarial, como instrumento probatório no processo judicial, a possibilidade de se divorciar e partilhar bens, através de escritura pública, a possibilidade de promover a regularização fundiÔria através do próprio cartório de registro de imóveis, inclusive com a conversão da legitimação da posse em propriedade, a usucapião extrajudicial, a lavratura de Carta de Sentença em Cartório de Notas, bem como o protesto de sentença e da certidão de dívida ativa em Cartório de Protesto.

Tais medidas se somaram a tantas outras incumbências jÔ anteriormente atribuídas aos Cartórios de Notas e Registros, como a fiscalização do recolhimento de tributos federais, estaduais e municipais, nos atos notariais e registrais que realizar; a incumbência de recolher aos fundos dos Tribunais de Justiça, do Ministério Público, da Defensoria, da Mútua dos Magistrados, dentre outros, os valores recolhidos dos usuÔrios dos serviços prestados; a incumbência de firmar a declaração sobre operação imobiliÔria a Receita Federal do Brasil as aquisições e alienações de propriedades; a prestação de informações ao IBGE; dentre outras.

Além dessas medidas, vÔrias outras ainda estão em vias de serem implantadas, como a possibilidade de expedição de identidade no próprio cartório de registro civil de pessoas naturais, etc.

Cada vez mais o serviço extrajudicial tem sido parceiro na prestação de serviços jurisdicionais e executivos, vislumbrando-se a possibilidade de se ampliar ainda mais essa participação.

Os resultados da aplicação desses instrumentos de colaboração deixam claro essa parceria de sucesso, mostram que o caminho estÔ aberto para uma gama cada vez maior de possibilidades que efetivamente trarão benefícios tanto para os notÔrios e registradores, como para o poder judiciÔrio e a sociedade como um todo.

Com respeito a quem entenda diferente, a desjudicialização de procedimentos, utilizando-se das serventias extrajudiciais, propicia vantagens para todos. Ganha a sociedade, pois terÔ serviços prestados de forma mais célere, eficiente, e com maior abrangência; ganha o Poder JudiciÔrio, pois irÔ evitar que vÔrias demandas não litigiosas superlotem os cartórios judiciais, além da facilitação de procedimentos; e ganham os cartórios de notas e registros, pois terão novas atribuições.

Ā 

REFERÊNCIAS

Ā 

BRAGA JR., AntÓnio Carlos Alves. Cartas de Sentenças passam a ser expedidas por Serventias Extrajudiciais. Jornal do NotÔrio, São Paulo, ano XV, n. 158, p. 12-15, nov. 2013.

______. Conselho Nacional de Justiça. Resolução 35, de 24 de abril de 2007. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/resolucoespresidencia/12151-resolu-no-35-de-24-de-abril-de-2007>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. DisponĆ­vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015consolidado.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Lei n. 9.492, de 10 de setembro de 1997. DisponĆ­vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9492.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Lei 10.406Ā de 10 de janeiro de 2002. DisponĆ­vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/10406.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2017. DisponĆ­vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2017-2018/2017/Lei/L13140.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Lei 8935, de 18 de novembro de 1994. DisponĆ­vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8935.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Lei n. 11.441, de 04 de janeiro de 2007. DisponĆ­vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Lei n. 11.977, de 07 de julho de 2009. DisponĆ­vel em:Ā  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-010/2009/lei/l11977.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Lei n. 14.382, de 27 de junho de 2022. DisponĆ­vel em:Ā  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14382.htm>. Acesso em: 30 jun. 2022.

Projeto de Lei do Senado n° 6204/2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139971. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Superior Tribunal de JustiƧa. RE n. 750.805. Relatora: Ministro Humberto Gomes de Barros. Disponƭvel em:<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=750805&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=9>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. TJRJ. Ato Normativo Conjunto n. 07/2014, de 27 de marƧo de 2017. DiƔrio Oficial [do] Poder JudiciƔrio do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 28 mar. 2014, p. 2.

______. Tribunal de Justiça da Bahia. Provimento Conjunto n. 3 de 14 de maio de 2017. Disponível em: <http://www5.tjba.jus.br/images/pdf/provimento_conjunto_03_20052014_corregedorias.pdf >. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Provimento n. 10 de 31 de outubro de 2017. Disponível em: <http://www.anoreg.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24143:tjsc-cgj-publica-provimento-n-10-2014-que-autoriza-tabeliaes-a-extrair-cartas-de-sentenca&catid=58&Itemid=184>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Tribunal de Justiça de São Paulo. Provimento 17 de 05 de junho de 2013. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/gcnPtl/abrirDetalhesLegislacao.do?cdLegislacaoEdit=109332&flBt Voltar =N>. Acesso em: 30 jun. 2022.

______. Tribunal de Justiça de São Paulo. Provimento CG n. 31 de 21 de outubro de 2013. Disponível em: <https://www.extrajudicial.tjsp.jus.br/pexPtl/visualizarDetalhesPublicacao.do?cdTipopublicacao=3&nuSeqpublicacao=138>. Acesso em: 30 jun. 2022.

CENEVIVA, Walter. Lei dos notÔrios e registradores comentada. São Paulo: Saraiva, 1996.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. I, 7. São Paulo: Malheiros, 2001.

FISS, DENTI apud PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. Direito Processual Civil Contemporâneo. 4. São Paulo: Saraiva, 2012.

LOUREIRO, Lair da Silva. Notas e Registros PĆŗblicos. 4. SĆ£o Paulo: Saraiva, 2012.

LOUREIRO. Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e PrÔtica. São Paulo: Método, 2010.

LUZ, Cícero Krupp da. A POLICONTEXTURALIDADE DA LEX MERCATORIA. Dissertação disponível em <http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/2436> acesso em 23 nov. 2022.

MOREIRA, Barbosa. Privatização do processo? Temas de direito processual. Sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001.

NALINI. José Roberto. Usucapião em Cartório. Colégio Notarial do Brasil. Disponível em: http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NDAzMA. Acesso em: 30 jun. 2022.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, v. único. 3. São Paulo: Método, 2011.

PINHO. Humberto Dalla Bernadina de.Ā O serviƧo notarial e os meios alternativos de solução de conflitos. FƓRUM PERMANENTE DE DIREITO URBANƍSTICO, NOTARIAL E REGISTRAL, 24. ReuniĆ£o, 2013, Rio de Janeiro.

SANTOS, Emanuel Costa Santos. A importância dos Cartórios. Disponível em: <http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-importancia-dos-cartorios>. Acesso em: 30 jun. 2022.

SANTOS, José Luis Ferreira dos Santos. Atividade CartorÔria Extrajudicial como Instrumento de Colaboração à Justiça Célere e Eficiente. Volume único. UICLAP, 2022

ZYLBERSZTAJN Decio, SZTAJN Rachel. AnÔlise econÓmica do direito e das organizações. Direito & Economia. Rio de Janeiro: Campus. 2005.


[1]Ā BƉHIN, Jacques. Via extrajudicial de resolução de conflitos ganha espaƧo na Europa. Boletim ANOREG. 2001 - Fevereiro - NĀŗ 2 - 22ĀŖ edição.

[2] SIFUENTES, MÓnica. Judicialização dos conflitos familiares. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4242/judicializacao-dos-conflitos-familiares> Acesso em 04 nov. 2022.

[3]Ā BRASIL. Lei n. 11.441, de 04 de janeiro de 2007. DisponĆ­vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm>. Acesso em 1 out. 2017.

[5] RIBEIRO, Moacyr Petrocelli de Ávila. DiÔlogos para a "Desjudicialização". Disponível em: <http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NDQ1OA==> Acesso em 11 nov. 2017.

Ā 

[6] SANTOS, José Luis Ferreira dos Santos. Atividade CartorÔria Extrajudicial como Instrumento de Colaboração à Justiça Célere e Eficiente. Op. Cit. PÔg. 35

[7]Ā BRASIL. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. DisponĆ­vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6766.htm>. Acesso em: 04 nov. 2022.

[9] Termo utilizado por José Luiz Germano, José Renato Nalini e Thomas Nosch Gonçalves, no artigo Alteração do nome e a mutabilidade extrajudicial - insegurança ou efetivação de direitos fundamentais?. Disponível em <https://ibdfam.org.br/artigos/1839/Altera%C3%A7%C3%A3o+do+nome+e+a+mutabilidade+extrajudicial+-+inseguran%C3%A7a+ou+efetiva%C3%A7%C3%A3o+de+direitos+fundamentais%3F+> Acesso em 21 nov. 2022

[10]Ā DisponĆ­vel em <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139971> Acesso em 22 nov. de 2022

Cartório do 10º Ofício de Justiça (Notas, RTD e RCPJ)

Rua Getúlio Vargas, 62 - Centro, Nova Iguaçu - RJ, 26255-060, Brasil

 Telefone: (21) 2667-4511

WhatsApp (21) 97569-2872

  • Facebook
  • Instagram
  • Whatsapp

Redes Sociais

bottom of page